Vera Lúcia de Oliveira
Olá,
Se você entrar num site de busca, como o Google, e procurar por
"Vera Lúcia de Oliveira", vai encontrar, talvez, mais
endereços italianos que brasileiros. Não é estranho. A poeta Vera Lúcia de
Oliveira, nascida em Cândido Mota, São Paulo, é professora de literatura na
Itália, onde reside.
Vera Lúcia incorporou o italiano. Seus versos nascem ora na língua de Dante, ora
em bom português brasileiro. Fiel aos dois lados, ela depois traduz os versos
para um ou o outro idioma. Mas a intimidade com o vernáculo adotado se tornou
tão grande que Vera Lúcia até já conquistou prêmios de poesia em italiano.
Neste boletim, escolhi quatro poemas da autora. "Rua de Comércio" e "Pedaços"
foram extraídos do volume Geografie d'Ombra/ Geografias de Sombra (1989);
"Andorinhas" vem do livro Tempo de Doer/ Tempo di Soffrire (1998). O
último texto, "A Poesia Dói Dentro de Mim" integra a coletânea A Porta Range
no Fim do Corredor (1983), livro de estréia da poeta.
O que parece caracterizar a poética de Vera Lúcia de Oliveira é essa aguda
observação dos estilhaços da vida: a hora que passa, as folhas que caem numa
lembrança de infância, o velho tanque de guerra integrado pacificamente à
paisagem italiana.
A poesia dessa paulista não é de esbravejar, fazer caretas, falar alto. São
palavras sutis como o pássaro que pára para repousar. Ou como os sons dolorosos
derramados pelos ramos da árvore podada.
Além de poeta, Vera Lúcia é ensaísta. Seu trabalho mais recente, publicado em
italiano e em português, é Poesia, Mito e História no Modernismo Brasileiro
(Editora da Unesp, 2001), no qual a autora faz uma análise de três livros
centrais do modernismo: Pau-Brasil (1925), de Oswald de Andrade,
Martim Cererê (1928), de Cassiano Ricardo, e Cobra Norato (1931), de
Raul Bopp.
Para conhecer outros trabalhos de Vera Lúcia de Oliveira, clique aqui para
visitar o
site da autora.
Veja ainda traduções para o
italiano, assinadas por Vera Lúcia, de dois poemas de Carlos Drummond de
Andrade.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
Veja mais poemas de Vera Lúcia de Oliveira no boletim
poesia.net 235.
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Estilhaços de poesia
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Vera Lúcia de Oliveira |
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RUA DE COMÉRCIO
Sou poeta da cidade magra
da cidade que não
caminha
sou dessa planicidade
sou da violência das vidas
poeta da cidade que afunda casas
e pessoas
sou da puta da cidade que só tem
superfície
amanheço todo dia nua e estreita
como uma rua de comércio
PEDAÇOS
Estou estilhaçada
silêncios saem da boca
mansos
estava desenhando
palavras
perdi o jeito de amanhecer
tenho tantos pedaços
que sou quase infinita
ANDORINHAS
Estou de bem com o mundo até
um tanque de guerra se cansa
da guerra até um pássaro pára
para
repousar
e depois o céu hoje é de um
azul que faz mal aos olhos
agudo que a gente fica ali
barriga pro ar
admirando as andorinhas
que volteiam
matutando no que pensam lá no alto
no que
sabem
se sabem que estou de bem com o mundo
que volteiam lá em cima também para mim
A POESIA DÓI DENTRO DE MIM
A poesia dói dentro de mim
como quando meu pai podava a parreira
eu ia vendo caírem
as folhas
eu ia vendo caírem
as folhas
e ninguém sabia
como os ramos derramavam os sons
dolorosos
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poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2003
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Vera Lúcia de Oliveira
• "Rua de Comércio" e "Pedaços"
In
Geografie d'Ombra/Geografias de Sombra
Fonèma, Veneza, 1989
• "Andorinhas"
In Tempo de Doer / Tempo di Soffrire
Pellicani, Roma, 1998
• "A Poesia Dói Dentro de Mim"
In
A Porta Range no Fim do Corredor
Scortecci, São Paulo, 1983
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